De Administração à Ciência de Dados

 


Olá, tudo bem?

Depois de falar brevemente sobre minha trilha de vida, vou comentar aqui um pouco sobre a minha educação.

*Antes de começar preciso dizer que cada autista tem suas próprias dificuldades e habilidades. Nenhum autista é igual ao outro. O que é difícil para mim pode ser fácil para você assim como o que pode ser fácil para mim pode ser difícil pra você. Portanto é importante não haver comparações entre autistas. O seu processo pode ser diferente do meu. Cada um tem sua própria trilhas, mas o que quero dizer é que, mesmo tão diferentes entre nós, todos somos capazes!

Passei a vida mudando de colégio, como comentei anteriormente. E isso me deixava muito confusa (creio que até para um neurotípico). Pois a cada colégio eu avançava e regredia. Em alguns eu estudava e repetia o que já tinha aprendido anteriormente e em outros, havia um "gap" de informações que eu havia perdido. 

Isso fez uma bagunça tão grande na minha cabeça que eu não fazia idéia do que eu queria ser na vida. Prestei vestibular para Administração porque primeiro: Eu teria que escolher apenas entre as opções que tinha naquela época, e eram poucas em Belém, principalmente em Macapá (lembram que eu só podia voltar para Belém ou permanecer em Macapá?). Segundo: julguei ser algo mais próximo do que eu "achava" que eu queria (dentro das escassas alternativas).

Mas foi um desafio. Muitos trabalhos em equipe e com apresentação oral. Eu suava, tremia, gaguejava e com isso eu sempre passava raspando. Mas curiosamente eu era querida pelos meus professores. Não sei qual a razão, mas eu tinha sempre uma relação bastante estreita com quase todos eles. 

Entretanto minhas notas não. Engraçado é que eu até gostava da matéria mas ficava totalmente perdida para me organizar nos estudos. Eu não conseguia traçar um planejamento, organizar as idéias. Nas aulas eu mais "voava para outros mundos" do que conseguia prestar atenção.

As matérias onde eu conseguia realmente me dedicar, eu sempre conseguia as notas mais altas. Marketing, Estatística, Informática, Logística eram as minhas preferidas. Cheguei a ser monitora da disciplina de logística.

Fiz estágio na própria faculdade e gostei muito da experiência. Até o momento em que resolvi sumir. Pois é, como comentei antes, eu sumia dos meus empregos e trabalhos sem aviso prévio. Eu nunca consegui explicar isso direito. E ninguém entendia.

Depois disso, resolvi que não queria mais trabalhar como administradora e fui fazer uma nova graduação, Direito. Fiz 3 anos de direito e desisti. Eu trabalhei no escritório do meu tio até o dia em que meu pai começou a dar sinais de fragilidade e precisar de ajuda. Acabei largando a faculdade. Mas não por causa do meu pai. Hoje entendo que pode ter sido pela exigência dos trabalhos em equipe e apresentações orais. Desenvolvi pânico e não consegui mais terminar a faculdade.

Logo depois resolvi fazer odontologia. Novamente, depois de 2 anos de estudo, larguei a faculdade. Quando me deparei com a prática, o barulho dos aparelhos e a forte iluminação me fizeram desistir. Eram muitos estímulos sensoriais! Teve um dia que quase saí correndo, por causa do barulho do motor.

Voltava à estaca zero. Montei uma loja de roupas no shopping e foi só prejuízo. Tudo o que eu tentava montar não ia para a frente. E eu cada vez mais perdida, sem saber que vocação eu tinha, se é que eu tinha alguma.

Confesso que fiz o curso de direito por influência de alguns amigos, odonto também. Mas de longe não eram minha praia. Talvez pelo fato de ter um status, provar que não era inútil a mim mesma, acabei indo por caminhos que iam de encontro com a minha personalidade anti-social e introspectiva. Eu amava informática, TI mas enxergava isso apenas como um hobby. 

Administração de empresas foi a única faculdade que amei de verdade. Mas eu não sabia COMO trabalhar com aquele conhecimento todo. Como não sumir dos locais onde eu era chamada. Esse era o problema. Sempre tinha que gerenciar equipes e isso definitivamente não era pra mim. 

Cheguei a fazer uma pós-graduação em Logística Portuária e Direito Marítimo e consegui concluir, antes de ir para o Rio de Janeiro.

Depois que fui para Mogi das Cruzes resolvi fazer uma nova faculdade: Design de Moda. kkkk Uma coisa nada a ver com a outra. Mas fiz e amei. Descobri meu amor pelas peças de crochê que faço até hoje. Mas trabalhar em lojas e eventos, jamais. 

Me mudei para São Roque e veio a pandemia. Comecei a fazer peças e mais peças de crochê, mas como hobby. E com a pandemia comecei a me observar mais, estranhar mais as minhas crises, meus apagões, minha aversão a ir para a rua, aos eventos e comemorações, enfim, comecei a me analisar mais. A pandemia fez com que todo mundo se auto observasse e comigo não foi diferente.

Mas meu inconformismo com a minha falta de realização profissional continuava. Peguei uns jobs na Internet para ganhar em dólar, mas muito pouco. Dá para pagar algumas contas mas nada demais. Porém eu sempre gostei desse tipo de trabalho. Trabalhos como o que faço na Appen e na Remotasks são trabalhos de inteligência artificial. Sempre gostei do tema, mas nunca pensei em transformar em uma profissão. 

E então, ano passado, ao viajar com a família e amigos para passar o Natal e Ano Novo em Recife por vários dias, tive várias crises sérias que realmente me chamaram a atenção. 8 pessoas dentro de um apartamento via Airbnb. Acho que tive o que chamam de um "shutdown". Dores terríveis no corpo, taquicardia dia e noite, vontade de ficar deitada no colchão o dia todo. A vontade de sair para ver a cidade era zero. Eu não sabia o que estava acontecendo. Embora eu sempre tenha sido assim, parecia que estava bem pior. Afinal não eram pessoas estranhas, era minha família e pessoas que eu confiava e tinha intimidade. Os apagões também apareceram.

Depois que voltamos, comecei a pesquisar sobre todo esse mal-estar. O que antes eu achava que poderia ser algo relacionado à minha anemia, o próprio algoritmo do Google foi me guiando para outras informações e outras condições. Primeiro cheguei ao tdah. Comprei até o livro da Ana Beatriz e comecei a lê-lo. Conforme as páginas iam avançando, eu menos me identificava. Então voltei ao Youtube para pesquisar um pouco mais. E o Youtube começou a me sugerir vídeos sobre autismo.

Bem, o conhecimento que eu tinha sobre o autismo era bem básico. Até então eu achava que só dava em meninos e sempre o severo. Eu não sabia que existiam autistas relativamente capazes de tocarem suas vidas adiante. Casar, ter filhos, ter uma profissão, dirigir, etc. Isso era novo pra mim.

E quanto mais vídeos eu assistia, mas me identificava. Até que lendo um dos comentários de um vídeo sobre diagnóstico de autismo em adultos me deparei com alguém indicando uma clínica de neuropsicólogos especializados em TEA e resolvi experimentar entrar em contato.

Fiz 5 sessões, contando com a da devolutiva. Foi tudo online e de forma bem criteriosa. Respondi a vários testes e conversei bastante. A neuropsicóloga foi maravilhosa e muito profissional.

Recebi a devolutiva em um sábado. O choque foi imediato. Eu achei que estava preparada para ouvir que era autista, mas na realidade não. Mas como eu já tinha visto milhares de vídeos sobre autistas que levam suas vidas de forma independente, vi que não era o fim do mundo. No relatório, constou TEA de grau moderado. Foi outra surpresa, pois achei que seria o leve.

Bom, estou contando tudo isso para chegar ao que estou fazendo hoje. 

Depois da notícia comecei a "recalcular rota" de toda a minha vida. Pois ao olhar para o passado, vi o quanto errei de caminho por não saber da minha condição. Forcei muitas coisas, aceitei outras que não eram da minha natureza. Tudo para agradar os outros e me "afirmar" como um ser útil.

E por isso depois de muito analisar as minhas "desistências" ao longo do caminho da minha vida profissional, cheguei à conclusão de que eu deveria ter realmente transformado minha habilidade, conhecimento e hiperfoco de informática e tecnologia da informação em profissão.

 Desde sempre esta habilidade esteve presente. Era elogiada pelas pessoas que reconheciam minha facilidade como algo "extraordinário" mas eu nunca me importava, achava que era obrigação todo mundo saber o que eu sabia. Também tem um pouquinho de medo que me colocaram na época em que eu estava no último ano do colegial e precisava escolher entre Ciências Humanas, Biológicas ou Exatas. 

Como eu tinha várias dificuldades cognitivas, achei que humanas era mais fácil para mim. E todo mundo falava que exatas era para nerds, que era muito difícil e eu não tinha perfil porque eu não tirava notas altas. Meu desempenho escolar era baixo. E me fizeram optar por Ciências Humanas.

Só depois de experimentar humanas e biológicas sem sucesso nos cursos da faculdade, é que dei importância para o que estava bem debaixo do meu nariz e não enxergava de jeito nenhum. Eu ficava até altas horas da noite no meu computador aprendendo a criar páginas, html, depois fui para o desenvolvimento 3d, criação de personagens 3d, edição de imagens, vídeos e criação de itens para jogos. 

E foi aí que cheguei na Ciência de Dados. Descobri que eu fazia isso nas empresas onde trabalhei de forma empírica talvez. Mas nada disso existia, a profissão não existia, isso fazia parte do administrador ou de algum cargo de TI dentro das empresas. Eu como sempre gostei muito de lógica, nunca tive nenhuma dificuldade.

E cá estou, fazendo 3 pós-graduações ao mesmo tempo, além de fazer cursos na Alura e lendo livros sobre o assunto. Espero que sessa vez não haja desistência e eu realmente encontre meu caminho. Afinal é uma profissão que trabalha com lógica e posso trabalhar em home office.

Esse foi meu primeiro impacto pós-diagnóstico que tive. Entendi finalmente o porquê de nunca ter me encontrado profissionalmente. A causa de ficar "pulando de ganho em galho" era meu autismo, que não se encaixava nos padrões neurotípicos. Então descobri que eu não faço parte da turma dos "nem, nem", não sou preguiçosa como algumas pessoas me apontaram o dedo, não sou lerda e não sou acomodada. Sim, todos esses adjetivos me acompanharam por toda a minha vida. Foi libertador saber que não sou incapaz e inútil. Tenho minhas limitações e habilidades, basta valorizá-las e respeitá-las.

 Espero que minha experiência tenha inspirado a todos os autistas que ainda procuram por uma profissão e ainda não se encontraram. Tenho 42 anos mas continuo estudando e evoluindo sempre. Não existe idade para começar de novo. Pense nisso!

Até mais!

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